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Partículas ‘canhotas’ podem potencializar vacinas, diz estudo

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Partículas 'canhotas' podem potencializar vacinas, diz estudo

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores do Brasil, dos EUA e da China demonstraram uma nova maneira de criar vacinas com maior capacidade de “acordar” o sistema de defesa do organismo. O método desenvolvido pela equipe consiste em incluir na imunização partículas cuja estrutura está voltada para o lado esquerdo, tal como se vê em muitos componentes das células.


O trabalho dos cientistas, que acaba de ser publicado na versão online do periódico especializado Nature, baseia-se na chamada quiralidade, algo que qualquer pessoa é capaz de reconhecer ao comparar sua mão esquerda com a direita.

A organização espacial dos dedos é tal que as mãos não ficam perfeitamente sobrepostas quando uma é colocada em cima da outra, já que cada polegar aponta para um lado e as posições dos dedos estão invertidas. Aliás, é disso que vem a palavra “quiralidade”, já que “kheir” em grego é “mão”.

Acontece que essa mesma propriedade pode ser vista nos mais variados contextos da natureza, incluindo as moléculas orgânicas, que possuem versões “canhotas” e “destras” (em geral designadas com as letras L e D, respectivamente).

“Nos seres vivos, os açúcares são D, enquanto os aminoácidos [componentes das proteínas] são L. Na indústria farmacêutica, 90% dos fármacos são quirais, adotando uma dessas orientações, porque isso tende a potencializar a interação com o organismo. Mas nunca é simples saber qual versão da molécula funcionará como remédio ou veneno. Isso sempre precisa ser testado”, conta André Farias de Moura, do Departamento de Química da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos, no interior paulista).

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Moura é um dos coautores brasileiros da nova pesquisa, feita em colaboração com Nicholas Kotov, na Universidade de Michigan, e Chuanlai Xu, da Universidade de Jiangnan, entre outros pesquisadores. Coube ao cientista da UFSCar a modelagem computacional dos experimentos, para entender os mecanismos que influenciam o comportamento das estruturas “canhotas” e “destras” em suas diferentes versões.

A ideia é que isso facilite, entre outras coisas, a busca por novos adjuvantes, ou seja, os componentes das vacinas que potencializam o efeito inicial delas.

Toda vacina precisa carregar algo que ajude o organismo a desenvolver uma defesa específica contra determinado causador de doença -no caso da Covid-19, por exemplo, isso pode corresponder a uma versão inócua do vírus ou ao material genético dele.

Mas os adjuvantes facilitam esse processo ao ativar o sistema de defesa do organismo de forma mais forte logo de cara, provocando coisas como uma reação mais intensa no local onde a vacina é aplicada.

Existem diversos tipos de adjuvantes, como compostos de alumínio e cálcio, mas a equipe decidiu trabalhar com nanopartículas de ouro. O “nano” se refere ao tamanho diminuto das partículas, na escala dos bilionésimos de metro, e a escolha do ouro tem a ver com o seu emprego em outros contextos médicos, como a terapia fotodinâmica (potencializada pela luz) contra câncer e outros problemas de pele.

Para produzir versões das nanopartículas de ouro com quiralidade definida, para a direita ou para a esquerda, a equipe colocou as partículas originais, na forma de minúsculos prismas, em contato com uma junção de dois aminoácidos. Essa dupla de moléculas orgânicas traz duas vantagens: afinidade química com o ouro e capacidade de agir como uma “antena” para a luz.

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E foi por meio da luz -para ser exato, a luz circularmente polarizada, um tipo de radiação luminosa que também tem características quirais- que as nanopartículas de ouro foram moldadas para adquirir suas formas destras e canhotas.
“Não é muito diferente do que acontece com uma impressora 3D”, diz o pesquisador da UFSCar.

Com isso, os minúsculos prismas de ouro adquiriram entalhes em sua superfície que lembram as hélices de um avião, com rotação no sentido horário ou anti-horário. O resultado é que agora havia versões das nanopartículas com ambos os tipos de quiralidade.

Por fim, vieram os testes envolvendo a interação dos dois tipos de partículas com células e animais vivos. Em suma, os dados mostram que as versões “canhotas” dos nanoprismas de ouro conseguem ativar com mais eficiência moléculas associadas ao funcionamento do sistema imune.

Além disso, quando as partículas foram usadas como adjuvantes numa vacina contra um tipo de vírus da gripe aplicada em camundongos, a resposta de defesa ligada às formas “canhotas” também se mostrou bem mais intensa.

O trabalho abre caminho para testes mais amplos do conceito e sua aplicação industrial, já que as nanopartículas de ouro mostraram, além da eficácia, boa biocompatibilidade (ou seja, não parecem causar efeitos deletérios no organismo).

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Brasil prepara inclusão de vacinas de covid-19 no calendário de rotina

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Após mais de 540 milhões de doses aplicadas em quase três anos, o Brasil vive em 2023 um período de transição na vacinação contra a covid-19, das campanhas emergenciais para a imunização de rotina. A avaliação foi feita na quarta-feira (20) pelo diretor do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Eder Gatti, na Jornada Nacional de Imunizações, realizada pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em Florianópolis. O diretor disse que os municípios trabalham há praticamente três anos em uma campanha de vacinação contra a covid, mas a mudança no cenário epidemiológico da doença requer a incorporação dessa vacina no calendário do programa.

Em 2023, o Ministério da Saúde estendeu a vacinação com doses de reforço bivalentes para toda a população acima de 12 anos de idade. A adesão, porém, foi baixa até mesmo para os grupos prioritários, considerados de maior risco de agravamento da doença. Enquanto 516 milhões de doses de vacinas monovalentes foram aplicadas no país, somente 28 milhões de bivalentes foram administradas, sendo apenas 217 mil em adolescentes. 

Para 2024, a proposta ainda em elaboração é a adoção de um calendário de vacinação contra a covid-19 na rotina de crianças menores de 5 anos, e doses de reforço periódicas ao menos uma vez por ano para grupos de risco, como idosos, imunocomprometidos (pacientes com sistema imunológico debilitado) e gestantes, seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Há ainda a possibilidade de inclusão de outros grupos como profissionais de saúde e comunidades tradicionais. 

“Vacinar toda a população, como a gente vem fazendo, precisa ser revisado nesse momento de transição em que nos encontramos. Fizemos reuniões técnicas e tiramos diretrizes básicas que o Ministério da Saúde vai seguir em discussões internas. Agora, o anúncio disso ainda depende de uma discussão com a gestão tripartite [governo federal, estados e municípios]”, conta Gatti.

“Hoje, avançamos tanto na avaliação da recomendação internacional, da OMS, quanto na discussão com os especialistas, mas precisamos avançar nessa pactuação”, complementa.  

O diretor do PNI pretende iniciar uma estratégia de vacinação de rotina contra a covid-19 no início de 2024, para substituir o “caráter de excepcionalidade”, com constantes alterações, que ainda dita o ritmo da imunização contra a doença.

“A covid-19 precisa deixar de ser uma estratégia de campanha e passe a ser uma recomendação permanente. Esperamos fazer anúncios oficiais com a estratégia mais completa antes do fim do ano”.   

Gatti ressalta que a vigilância das variantes deve ser constante, porque são elas que determinaram as ondas de infecção desde o início da pandemia. Esse comportamento difere de outras doenças de transmissão respiratória, cujas incidências são mais influenciadas pelas estações do ano. Ainda que seja importante ter vacinas atualizadas contra essas variantes, ele argumenta que mais importante é garantir que a vacinação aconteça.

“O SAGE [grupo consultivo de vacinação da OMS] não fala tanto de qual é a vacina que deve ser feita. A OMS pauta como deve ser a composição da vacina, agora sobre qual vacina usar existe uma certa liberdade”, pondera o diretor do PNI, que adianta que o posicionamento do programa será disponibilizar as vacinas disponíveis preferencialmente na última versão licenciada e atualizada contra variantes. “As próximas aquisições do Ministério da Saúde vão seguir essa lógica. Provavelmente serão vacinas de RNA mensageiro com as composições colocadas conforme licenciamento”.  

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Para garantir vacinas nacionais da plataforma RNA mensageiro, mais versátil na luta contra o coronavírus, o Ministério da Saúde tem apoiado desenvolvimentos próprios do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) e do Instituto Butantan. Gatti considera que o ideal é que uma tecnologia nacional de RNA mensageiro possa estar à disposição do PNI, uma vez que as vacinas contra covid-19 oferecidas por esses laboratórios até o momento são de outras plataformas.

“A gente espera começar os ensaios clínicos dessa plataforma de vacina brasileira de RNA logo. Essa é uma tecnologia que é importante a gente dominar, porque ela permite desenvolver vacinas de uma forma mais rápida e para outros agentes infecciosos também. A gente precisa buscar isso e está nesse caminho”. 

Corrida contra o vírus

O secretário do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria e representante da SBIm em Pernambuco, Eduardo Jorge da Fonseca, descreve que a transição para uma vacinação de rotina contra a covid-19 está em discussão em todo o mundo. O Reino Unido, por exemplo, decidiu adotar a recomendação da vacina aos grupos prioritários sugeridos pela OMS. Já outra parte da Europa e os Estados Unidos estenderam a vacinação a toda a população. 

“No momento atual, temos evidências da importância de manter os reforços com as vacinas bivalentes disponíveis no Brasil. Não há consenso se devemos revacinar todas as pessoas. Provavelmente, também aqui, adotaremos vacinar os grupos de maior risco com a vacina atualizada. Mas precisamos garantir o aumento da cobertura das vacinas já disponíveis, principalmente da pediátrica”. 

A corrida constante para manter as vacinas atualizadas contra as cepas circulantes tem sido vencida pelo coronavírus SARS-CoV-2, que continua a sofrer novas mutações para adquirir escape imunológico. As vacinas continuam comprovadamente efetivas para redução da gravidade de suas infecções, mas não conseguem neutralizá-las nem bloquear o vírus, que está sempre um passo à frente em sua evolução acelerada. Um exemplo disso é a vacina monovalente contra a variante XBB, que chegou aos Estados Unidos em um momento em que a variante dominante era a EG.5, e já com a BA.2.86 em ascensão.

“Com a covid, o tempo passou a correr muito mais rápido”, alerta Fonseca.

“Precisamos, sim, de uma vacina com uma proteção mais prolongada, que seja à prova de variantes”.       

Apesar dessa necessidade, ele reforça que as vacinas atuais conseguem reduzir de forma importante as chances de internação ou morte por covid-19, mesmo quando não estão diretamente atualizadas com a “versão mais recente” do coronavírus. Por isso, é preciso ampliar a cobertura vacinal com as doses de reforço bivalente e proteger também as crianças que não tiveram acesso ao esquema inicial de duas doses. 

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Salto evolutivo

O desenvolvimento de uma vacina genérica que proteja não apenas contra todas a variantes do SARS-CoV-2, mas também contra todos os coronavírus é um objetivo das pesquisas que trabalham para manter o controle da pandemia, conta o biólogo José Eduardo Levi, pesquisador do Instituto Medicina Tropical da USP. O SARS-CoV-2, porém, tem se comportado de forma totalmente imprevisível.

“O vírus continua evoluindo, e a gente continua sob o risco de sair de controle. Não compartilho dessa percepção de que a pandemia acabou”, diz ele, que acredita que a imunidade das vacinas somada à imunidade natural gerada pela infecção tem protegido grande parte da população de casos graves, porém também pressionado o vírus a evoluir mais para continuar circulando.

“Há uma troca de variantes dominantes a cada quatro, cinco meses. Isso é totalmente imprevisto e se dá por essa pressão seletiva”. 

Ele alerta que a nova variante em ascensão nos Estados Unidos e Reino Unido, a BA.2.86, deu um salto evolutivo comparável ao que a variante ômicron representou em relação a suas antecessoras. O pesquisador conta que há quem considere a ômicron um “SARS-CoV-3”, porque alterou totalmente o comportamento da pandemia, produzindo uma onda de casos muito mais acelerada.

“Antes da ômicron, as variantes de preocupação não descendiam umas das outras, todas vinham da variante ancestral. Depois da ômicron, todas as variantes que se tornaram predominantes foram variantes derivadas da ômicron. A história evolutiva se modifica”.

Levi destaca que é importante vacinar principalmente pessoas imunocomprometidas. Além de terem maior risco de morrer com a covid-19, essas pessoas, ao serem infectadas, podem oferecer mais chances de mutações ao SARS-CoV-2, que permanece por mais tempo no organismo sem ser neutralizado pelas defesas. Isso acontece porque o SARS-CoV-2 consegue não evoluir por mutações, mas também por deleções, que são eliminações de partes de sua estrutura que já causam reação das defesas do organismo. Ao perder esses pedaços, o vírus volta a confundir o sistema imune.

“A teoria hoje comprovada é que essas variantes surgem principalmente no corpo de pessoas com imunodeficiências. Um trabalho clássico acompanhou por 180 dias um paciente imunodeficiente e, gradualmente, há um acúmulo de mutações e deleções. Tanto que, no dia 180, o paciente continua doente e falece com um vírus totalmente diferente do vírus que entrou”. 

*O repórter viajou para Florianópolis a convite da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)

Fonte: EBC SAÚDE

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