Relatório final de 600 páginas sugere que parlamentar seria sócia oculta de empresa contratada com pareceres jurídicos contrários e verba federal da Covid-19.
Um robusto relatório de 600 páginas, fruto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) nº 001/2025, sacudiu as estruturas políticas de Diamantino ao concluir pela existência de fortes indícios de um esquema de corrupção na saúde municipal. O documento, protocolado na Câmara de Vereadores nesta semana, aponta para a possível prática de improbidade administrativa e crimes contra a administração pública, colocando no centro da investigação a vereadora em exercício Michele Cristina Carrasco Mauriz, o ex-prefeito Manoel Loureiro Neto, além de uma ex-secretária e servidores.
A investigação se debruçou sobre a gestão e fiscalização de recursos públicos repassados à empresa AME FAMÍLIA LTDA. Agora, com os trabalhos da comissão oficialmente encerrados, o caso ganha uma nova dimensão, com o encaminhamento de todo o material para o Ministério Público Estadual e Federal.
A sócia invisível do poder
O ponto mais explosivo do relatório mira diretamente a vereadora Michele Mauriz. Segundo a comissão, existem fortes evidências de que a parlamentar, que tem o dever de fiscalizar os atos do executivo, agia de forma completamente oposta. A CPI concluiu que há “indícios de que a Vereadora MICHELE CRISTINA CARRASCO MAURIZ, prevalecendo-se do cargo, atuava como sócia oculta da empresa AME FAMÍLIA LTDA, beneficiando-se diretamente dos recursos públicos a ela destinados”.
Essa acusação, se comprovada, configura um gravíssimo conflito de interesses. Questiona-se, como poderia uma fiscal do povo ao mesmo tempo lucrar com os contratos que deveria supervisionar? A situação levanta um debate sobre quebra de decoro parlamentar, um caminho que pode levar à perda do mandato.
Alertas ignorados na caneta do gestor
A investigação não parou na vereadora. O relatório da CPI também atribui responsabilidade direta ao alto escalão da gestão anterior. De acordo com o documento, o ex-prefeito Manoel Loureiro Neto e a ex-secretária de saúde Marineze de Araújo Meira, junto com os servidores Edivaldo Cintra da Costa e Cleber Soares de Souza, foram alertados formalmente sobre problemas na contratação.
Eles teriam autorizado e efetivado o contrato com a AME FAMÍLIA LTDA “mesmo diante de pareceres jurídicos contrários à sua contratação, emitidos pela Procuradoria Geral do Município”. Ignorar a orientação do próprio corpo jurídico do município é um indicativo poderoso de dolo ou, na melhor das hipóteses, de uma negligência administrativa grave, o que fragiliza consideravelmente a defesa dos ex-gestores ao demonstrar que eles sabiam dos riscos.
O rastro do dinheiro federal
Para tornar o cenário ainda mais complexo, a CPI descobriu que parte dos recursos envolvidos não era apenas municipal. O relatório aponta “indícios de que a empresa AME FAMÍLIA LTDA recebeu recursos federais para o combate à COVID-19”. Essa informação foi o gatilho para que o escopo da investigação se ampliasse de forma decisiva.
A entrada de verba federal na equação atrai a competência de órgãos de controle nacionais, como a Justiça Federal e o Ministério Público Federal, que agora receberão cópia integral dos autos para aprofundar a apuração. O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso também foi acionado para fiscalizar a aplicação dos recursos. A gestão de Diamantino, portanto, entra no radar de instâncias muito além das fronteiras do município.
Com a conclusão dos trabalhos, oficializada pelo Ato da Presidência nº 034/2025, assinado pelo presidente da Câmara, Edilson Mota Sampaio, a CPI cumpriu seu papel. O relatório não é uma sentença, mas sim um ponto de partida robusto para que a Justiça e os órgãos de controle deem as respostas que a sociedade de Diamantino espera.
Para entender melhor:
- Improbidade Administrativa: É um ato ilegal praticado por um agente público que vai contra os princípios da administração. Não é considerado um crime no sentido penal, mas pode resultar em punições severas, como a perda do cargo público, a suspensão dos direitos políticos e a obrigação de ressarcir o dano aos cofres públicos.
- Sócia Oculta: Refere-se a uma pessoa que participa ativamente de uma empresa, dividindo seus lucros e responsabilidades, mas cujo nome não aparece nos registros oficiais e no contrato social. A prática é frequentemente utilizada para esconder conflitos de interesse, especialmente quando envolve agentes públicos.
- Quebra de Decoro Parlamentar: É toda conduta de um político que afeta a dignidade e a honra do seu mandato. Usar o cargo para obter vantagens pessoais, como no caso investigado, é um exemplo clássico. A punição para a quebra de decoro pode ir de uma simples advertência até a cassação do mandato.