Economia
Mato Grosso projeta crescer o triplo do Brasil em 2025, mas dependência do agro acende alerta
Projeção de 6,6% é impulsionada por safra recorde e indústria aquecida, consolidando o estado como a locomotiva econômica do país, ainda que desafios estruturais persistam.
Enquanto o Brasil caminha para uma expansão econômica modesta, Mato Grosso se prepara para um salto monumental. A projeção oficial, revelada na Resenha Regional do Banco do Brasil em setembro, aponta um crescimento de 6,6% no Produto Interno Bruto (PIB) do estado para 2025. O número representa quase o triplo da média nacional, estimada em 2,2%. Este desempenho consolida o estado como o principal motor econômico do país, mas, ao mesmo tempo, lança luz sobre a sustentabilidade de um avanço tão visceralmente ligado ao campo.
A força mato-grossense não é um fenômeno isolado. O resultado apenas confirma uma tendência que já vinha se desenhando. Dados da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG/MT) mostraram que, no primeiro trimestre de 2025, a economia local avançou espantosos 41% em comparação com o mesmo período do ano anterior, enquanto o país registrava meros 2,9%.
Da porteira para dentro
O coração pulsante dessa expansão é, sem surpresa, o agronegócio. O setor tem uma projeção de crescimento de 15,5% para o ano. Este avanço é alimentado por uma safra de grãos 2024/2025 que quebra recordes, estimada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em 101,5 milhões de toneladas. Sozinho, Mato Grosso deve colher um terço de toda a produção brasileira, um volume que supera o das principais culturas da Argentina.
A soja, carro-chefe do estado, alcançou um aumento de 26,1% na produção, chegando a 49,6 milhões de toneladas, com a maior produtividade já registrada na história mato-grossense: 3.897 quilos por hectare. O milho, mesmo com uma leve redução de 4% na produção devido a ajustes no calendário de plantio, ainda responderá por 37,5% de todo o cereal colhido no Brasil.
O barulho das fábricas
Mas a economia de Mato Grosso não é um veículo de um motor só. A indústria ruge alto e projeta uma expansão de 6,7%, o maior crescimento industrial entre todos os estados brasileiros e mais que o triplo da média nacional de 1,9%. Nos últimos dez anos, o PIB industrial do estado simplesmente triplicou, impulsionado por setores como alimentos, bebidas e, principalmente, os combustíveis renováveis, como o etanol de milho.
Esse movimento reflete um amadurecimento econômico. “O estado colhe agora os frutos de um processo de transformação que vai além da porteira”, aponta uma análise sobre o contexto de transformação econômica local. “Nos últimos anos, a agroindústria ganhou força e começou a reter mais valor dentro do território mato-grossense. Indústrias de processamento de soja, milho, carnes e biocombustíveis se multiplicam, criando uma cadeia de valor integrada que conecta o produtor rural à indústria e ao comércio exterior.”
O outro lado da moeda
Apesar do otimismo, a própria Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (FIEMT) reconhece a existência de gargalos históricos que funcionam como uma âncora para um crescimento ainda maior. A logística ineficiente e a falta de estabilidade tributária são desafios persistentes que limitam o potencial de industrialização e mantêm o estado, em parte, refém da exportação de commodities com baixo valor agregado.
A forte dependência do agronegócio, responsável direto pelo desempenho expressivo, continua a ser o calcanhar de Aquiles. Uma economia tão atrelada a um único setor fica vulnerável a fatores incontroláveis, como oscilações climáticas, pragas ou as flutuações dos preços no mercado internacional. A questão que fica é: por quanto tempo um motor, por mais potente que seja, consegue puxar todo o peso sozinho?
Um gigante consolidado
Mesmo com as ressalvas, a posição de liderança de Mato Grosso é inquestionável e não é passageira. A análise do Banco do Brasil é clara: “Mais uma vez, o Centro-Oeste desponta como a região de maior tração econômica. Mato Grosso e Mato Grosso do Sul seguem liderando, impulsionados pelo agronegócio, que alimenta efeitos em toda a cadeia produtiva”.
Essa força se traduz na confiança do governo e dos especialistas. “Mato Grosso segue mostrando que é um motor da economia brasileira”, afirmou César Miranda, Secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico. “Esses resultados refletem não apenas a força econômica, mas também a confiança de que estamos no caminho certo para garantir um futuro de desenvolvimento e oportunidades para todos.”
O olhar para o futuro, no entanto, já traz uma nota de cautela. O primeiro levantamento da Conab para a safra 2025/26 indica uma produção ligeiramente menor. Embora a liderança nacional deva ser mantida pelo 14º ano consecutivo, a pequena redução serve como um lembrete constante de que, na economia como no campo, nenhuma colheita é garantida para sempre.
Para entender melhor:
- PIB (Produto Interno Bruto): É a soma de todos os bens e serviços finais produzidos em uma região. Funciona como o principal termômetro para medir o crescimento da economia.
- Cadeia de Valor Integrada: Ocorre quando um setor controla múltiplas etapas da produção, desde a matéria-prima até o produto final. No caso de Mato Grosso, isso significa transformar o grão do campo em ração, carne ou biocombustível dentro do próprio estado.
- Commodities in natura: Produtos de origem primária (agrícola ou mineral) vendidos com pouco ou nenhum processamento industrial, como os grãos de soja exportados diretamente para outros países.
- IBC-Br (Índice de Atividade Econômica): Divulgado mensalmente pelo Banco Central, é considerado uma “prévia do PIB”, ajudando a acompanhar o ritmo da economia brasileira antes do resultado oficial.
AGRONEGÓCIO
Adiada batalha bilionária no STF: isenção fiscal para agrotóxicos coloca em xeque o custo do agro em Mato Grosso
Julgamento da ADI 5553, com placar parcial indefinido, pode redefinir a política tributária do setor e pressionar diretamente os produtores rurais do estado.
O futuro de uma política de incentivos fiscais que há décadas sustenta parte da competitividade do agronegócio brasileiro está, neste momento, sob o escrutínio do Supremo Tribunal Federal (STF). Em um julgamento tenso e de consequências bilionárias, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 ameaça derrubar a isenção e a redução de impostos para defensivos agrícolas, um pilar para a estrutura de custos da produção em Mato Grosso. A sessão, que foi suspensa e aguarda votos decisivos, já expõe uma profunda divisão na mais alta corte do país e opõe, de um lado, o direito à saúde e ao meio ambiente e, do outro, a política econômica que beneficia um dos setores mais poderosos do país.
29 de outubro – O adiamento do julgamento
O STF adiou novamente o julgamento da ADI 5553, com previsão de retomada para quarta-feira, 30 de outubro de 2025. O processo foi suspenso após as sustentações orais realizadas em sessão presencial, aguardando os votos dos ministros.
Para Mato Grosso, o resultado é vital. Entidades como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) e a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), esta última com representação jurídica do próprio estado, atuam como partes interessadas no processo, lutando para manter um modelo que, segundo elas, é essencial para a produção.
O placar da discórdia
O julgamento, longe de ser um consenso, reflete a complexidade do tema. Até agora, o placar está tecnicamente empatado, mas cheio de nuances. Quatro ministros se posicionaram, de alguma forma, pela inconstitucionalidade dos benefícios. O relator, ministro Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia defenderam o fim das isenções. A eles se somaram André Mendonça e Flávio Dino, mas com ressalvas, propondo um período de transição para que o impacto não seja abrupto.
Na outra ponta, uma linha de defesa robusta foi formada. O ministro Gilmar Mendes inaugurou a divergência, votando pela manutenção dos incentivos, e foi seguido por Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. O destino da ação, portanto, está nas mãos de Kássio Nunes Marques, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski, que ainda não votaram. O processo, que se arrasta desde 2016, quando foi proposto pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), agora vive sua fase mais crítica.
Dois lados de uma mesma moeda
No centro da disputa, estão dois dispositivos legais: o Convênio CONFAZ nº 100/1997, que concede isenção de ICMS, e o Decreto nº 7.660/2011, que zera a alíquota de IPI para os agrotóxicos. Os argumentos são diametralmente opostos e revelam visões distintas sobre o papel do Estado.
Para o relator, ministro Edson Fachin, a política de desoneração fiscal tem um custo altíssimo, estimado em “bilhões de reais por ano na atualidade”. Em seu voto, ele afirmou que “os benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos são contrários aos direitos à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Essa visão é compartilhada por organizações da sociedade civil, como a Terra de Direitos, cuja advogada, Jaqueline Andrade, classificou a política como “um retrocesso ambiental e sanitário”. Segundo ela, o Estado não pode subsidiar produtos que comprovadamente contaminam o solo, a água e a saúde da população.
A defesa da manutenção dos benefícios, por outro lado, se ancora na premissa de que os defensivos não são artigos de luxo. Para o advogado Rodrigo de Oliveira Kaufmann, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), eles são “insumos essenciais”. O setor argumenta que uma tributação excessiva poderia não apenas elevar o custo de produção em R$ 16 bilhões ao ano, impactando o preço final dos alimentos, mas também estimular o desmatamento, já que a produtividade cairia.
Mato Grosso no epicentro
Embora a decisão seja nacional, seu impacto será sentido de forma aguda nas vastas planícies de Mato Grosso, o gigante do agronegócio brasileiro. A participação ativa de entidades como a Aprosoja e a Abrapa, representada nos autos pelo advogado mato-grossense Marcelo Zandonadi, não deixa dúvidas sobre o que está em jogo.
Uma eventual derrubada dos benefícios fiscais significaria um aumento imediato no custo dos insumos, pressionando a rentabilidade dos produtores de soja, milho e algodão. A questão que paira no ar é se a cadeia produtiva conseguiria absorver esse novo custo sem repassá-lo ao consumidor ou perder competitividade no mercado internacional. Afinal, como equilibrar a balança entre a sustentabilidade econômica do setor e as preocupações ambientais e de saúde que ganham cada vez mais força?
Uma conta de bilhões
A dimensão financeira da renúncia fiscal é, talvez, o ponto mais contundente do debate. Estimativas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) indicam que União e estados deixaram de arrecadar cerca de R$ 12,9 bilhões em 2021. Outras análises elevam essa cifra para R$ 22 bilhões anuais.
Para colocar em perspectiva, esse valor supera em mais de dez vezes o orçamento da União para a conservação da biodiversidade e o combate ao desmatamento. É um montante que, segundo os críticos da isenção, poderia ser direcionado para fortalecer órgãos de fiscalização como o Ibama e a Anvisa, ou para incentivar a transição para práticas agrícolas mais sustentáveis, como a agroecologia.
Com o julgamento interrompido, o agronegócio prende a respiração. A decisão final do STF, qualquer que seja, vai redefinir as regras do jogo e forçar uma reavaliação profunda sobre o modelo de produção agrícola do Brasil.
Para entender melhor:
- ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade): É um instrumento jurídico utilizado para questionar no STF se uma lei ou ato normativo federal ou estadual está de acordo com a Constituição Federal. Se o STF julgar a norma inconstitucional, ela perde a validade.
- Amicus Curiae: Expressão em latim que significa “amigo da corte”. Refere-se a uma pessoa ou entidade que, mesmo não sendo parte direta no processo, tem interesse na questão e é admitida para fornecer informações e subsídios técnicos que possam auxiliar na decisão dos juízes.
- ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços): Imposto estadual que incide sobre a movimentação de produtos e diversos serviços. É uma das principais fontes de arrecadação dos estados.
- IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados): Imposto federal cobrado sobre produtos que saem das indústrias, sejam eles nacionais ou importados.
- Princípio da Seletividade Tributária: Norma constitucional que determina que os impostos, como o IPI e o ICMS, devem ter alíquotas (percentuais) diferentes conforme a essencialidade do produto. Produtos supérfluos devem ser mais taxados, enquanto produtos essenciais devem ter uma tributação menor.
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