Raio-X da acusação
processo detalha acusações e juiz viu 'indícios de fraude' para tornar secretário de Cuiabá réu
Documentos judiciais revelam o passo a passo da acusação de improbidade contra o secretário de Cuiabá, Amauri Monge. Veja como o MPPR o aponta como autor intelectual de uma fraude em licitação no Paraná, resultando em uma ação de R$ 919 mil.

Amauri Monge teve bens bloqueados em mais de R$ 919 mil em ação por suposto desvio no Paraná; prefeito Abilio Brunini defende permanência e afirma que “também está denunciado”.
O homem encarregado de reerguer a educação de Cuiabá, o secretário Amauri Monge Fernandes, é réu em uma ação civil de improbidade administrativa na Justiça do Paraná desde 2020. A acusação, que envolve um suposto prejuízo superior a R$ 459,5 mil aos cofres públicos , levou ao bloqueio de R$ 919.199,22 em seus bens no início de 2022, medida posteriormente suspensa devido a alterações na legislação. Mesmo diante da gravidade do caso, Monge permanece no cargo com o apoio explícito do prefeito Abilio Brunini , que minimiza o processo e condiciona sua saída a uma eventual condenação.
O motivo? Uma suposta fraude em um contrato de fomento na área de educação!
A situação ilustra um paradoxo na gestão municipal: enquanto o trabalho de Monge recebe elogios de parlamentares na Câmara de Cuiabá, uma sombra jurídica de seu passado no serviço público paranaense paira sobre uma das pastas mais estratégicas e sensíveis da capital, responsável por um sistema com escolas em colapso, um déficit crônico de vagas em creches e quase metade dos alunos do 3º ao 5º ano sem a alfabetização completa.
Amauri minimizou a gravidade do problema em uma entrevista dada para TV Vila Real, mas o Ministério Público do Paraná discorda e aponta fatos contundentes de sua convicção.
O fantasma do Paraná
A anatomia de uma acusação por improbidade
Nos corredores da Justiça do Paraná, uma ação civil de improbidade administrativa descreve, em detalhes minuciosos, o que o Ministério Público (MPPR) classifica como uma “organização improba” arquitetada para desviar recursos públicos. No centro dessa acusação, como peça-chave e suposto autor intelectual, está Amauri Monge Fernandes, hoje secretário de Educação de Cuiabá. Os autos do processo, que levaram um juiz a ver “indícios de fraude” e determinar o bloqueio de R$ 919.199,22 em bens do secretário, pintam um retrato de atos dolosos e coordenados. A narrativa construída pelo MP se desenrola em três atos determinantes.
Ato I: a gênese da fraude, um edital sob medida
Tudo teria começado em 10 de abril de 2018. Naquele dia, Amauri Monge, na condição de Secretário Regional de Educação do Consórcio de Desenvolvimento e Inovação do Norte do Paraná (CODINORP), solicitou a abertura de um processo para contratar serviços educacionais. Segundo o MPPR, a fraude nasceu ali. Monge elaborou o Termo de Referência do certame sem realizar qualquer pesquisa de mercado para justificar os valores, fixando um teto de R$ 580,00 por aluno/ano. Para a promotoria, essa omissão foi intencional, um ato doloso para direcionar a contratação por um valor pré-acordado, sem qualquer respaldo na realidade ou preocupação com a economicidade para o poder público. Além disso, Amauri no edital a necessidade de visita tecnica obrigatória, o que favoreceu a requerida Instituto Lótus.
Ato II: a peça-chave, a autorização para subcontratar
O segundo movimento, considerado essencial pelo MP para viabilizar o esquema, ocorreu em 21 de agosto de 2018. Questionado por e-mail por Nabil Onissi — representante do Instituto Lótus, que viria a ser o vencedor do certame — sobre a possibilidade de subcontratações, a resposta de Monge foi o sinal verde que a suposta organização precisava. Ele afirmou que “não existe oposição por parte desta Secretaria Regional de Educação (CODINORP) às subcontratações”.
Este aval, segundo a acusação, foi o ato que destravou o mecanismo do desvio. Com ele, o Instituto Lótus pôde, uma vez contratado, repassar legalmente os recursos públicos para as empresas de fachada N7 Treinamentos e SM74 Planejamento, que pertenciam aos próprios dirigentes do instituto, Nabil Onissi e Luís Sérgio Murro. Para o MP, ao dar essa autorização, Monge violou seu dever de zelar pelo patrimônio público, permitindo a concretização do enriquecimento ilícito.
Ato III: o teatro da legalidade e a simulação dos atos
O último ato da acusação detalha o que seria uma encenação para dar aparência de legalidade à fraude. O Ministério Público aponta uma série de eventos que considera provas da montagem do processo. Documentos como a manifestação de inetersse e a proposta oficial do Instituto Lótus, elaborados em São Paulo, foram protocolados como se tivessem sido entregues presencialmente em Prado Ferreira/PR no mesmo dia, uma logística que o MP classifica como “fisicamente impossível”.
Manifestação de interesse – 22/06/2018:
Apresentação de proposta 29/10/2018:
O ponto culminante dessa suposta simulação ocorreu em 14 de novembro de 2018. Em uma reunião de trabalho coordenada por Monge, o Instituto Lótus já foi apresentado como o parceiro escolhido aos municípios do consórcio. Isso aconteceu cinco dias antes da assinatura formal do contrato, evidenciando que a escolha já estava definida e que o processo era mera formalidade. A acusação se aprofunda ao afirmar que Monge tinha pleno conhecimento da incapacidade da entidade, pois ele mesmo participou de uma reunião na sede do Instituto Lótus em São Paulo — que era, na verdade, o endereço residencial de Nabil Onissi — tendo recebido diárias para a viagem.
Outro ponto da denúncia é que na manifestação de interesse do Instituto Lótus, entregue em 22/06/2018, verifica-se que a mesma já sabia da sua contratação pelo menos desde janeiro de 2018 (quatro meses antes da consulta pública ser feita).
A data de janeiro de 2018 também é citada na proposta para celebração de termo de fomento:
Essas acusações, descritas de forma tão metódica, foram consideradas suficientemente fortes pelo juiz Malcon Jackson Cummings. Em sua decisão, ele validou os argumentos do MP, citando um relatório do Tribunal de Contas que viu na subcontratação um “nítido propósito de beneficiar interesse pessoal” e uma “clara ofensa aos princípios da legalidade, impessoalidade, probidade, economicidade e eficiência”. O resultado foi a transformação de Amauri Monge em réu e a ordem de bloqueio de seu patrimônio para garantir o ressarcimento aos cofres públicos. Este é o dossiê que, longe de ser apenas um fantasma do passado, lança uma sombra persistente sobre a gestão da educação na capital mato-grossense.
“Se encontrar irregularidade, aí sai”
A defesa do prefeito Abilio Brunini à permanência de seu secretário é contundente. Brunini afirmou publicamente ter consultado sua equipe jurídica e verificado “a veracidade dos fatos”, declarando acreditar que as acusações “não devem prosperar”. Em uma fala que busca normalizar a situação, o prefeito comparou o caso ao seu próprio histórico: “De estar denunciado, eu também estou. É preciso provar e confirmar a denúncia”.
A condição para a saída de Monge, segundo Brunini, é clara: “se de repente a acusação desenvolver e encontrar alguma irregularidade, aí sai”. O próprio secretário, em entrevista, confirmou ser réu, mas negou que o caso tenha relação com sua gestão atual e disse não saber exatamente do que é acusado, apesar dos detalhados apontamentos dos órgãos de controle.
Relógio correndo para a Justiça
Um fator crítico adiciona ainda mais incerteza ao desfecho do caso: o tempo. Devido a recentes alterações na Lei de Improbidade Administrativa e a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o processo contra Monge corre o risco de prescrição. O Judiciário brasileiro tem um prazo fatal, 26 de outubro de 2025, para julgar as ações de improbidade ajuizadas até outubro de 2021. Como o processo foi iniciado em 2021, ele está neste grupo que pode ser extinto sem um julgamento de mérito, deixando as acusações sem uma resposta definitiva da Justiça.
Entre a polêmica e os elogios
Enquanto o processo avança lentamente no Paraná, Monge segue firme no cargo em Cuiabá. A tentativa de reestruturar a pasta, criando uma “supersecretaria” sob o comando do vereador Daniel Monteiro, fracassou após o parlamentar recusar o convite, afirmando preferir manter sua independência e considerar Monge um bom secretário. Após a recusa, Brunini reafirmou a permanência do atual gestor.
Apesar da controvérsia, a atuação de Monge na capital tem sido reconhecida. Vereadoras como Michelly Alencar e Maysa Leão já elogiaram publicamente a postura e o trabalho do secretário, destacando sua presteza em responder às demandas. Ele tem implementado ações como uma força-tarefa para infraestrutura e o retorno das notas numéricas nos boletins. A questão que fica é se a performance na gestão, em uma cidade com desafios educacionais tão profundos, é suficiente para blindá-lo de um passado judicial que insiste em não ser esquecido.
O embargos de declaração
Amauri manejou embargos de declaração, onde requereu inépcia da petição inicial, ausência de individualização das condutas e inadequação dos pedidos formulados. Seus pedidos foram negados, exceto um deles, a individualiação da acusação.
O juiz esclareceu que, se condenado, Amauri terá perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos, pagamento de multa civil de até 3 vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 10 anos.
Decidiu o juiz:
“Com base na manifestação do Ministério Público de mov. xxx.1, que esclareceu a tipificação após intimação específica, DECLARO que ao réu AMAURI MONGE FERNANDES está sendo imputada a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92 (enriquecimento ilícito), em razão de suposta participação irregular no Termo de Fomento nº 01/2018 firmado entre o CODINORP e o Instituto Lótus.
Tal conduta, se comprovada, sujeitará o embargante às sanções previstas no art. 12, inciso I, da Lei nº 8.429/92, quais sejam: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos, pagamento de multa civil de até 3 vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 10 anos.
4. DOS DEMAIS ARGUMENTOS DOS EMBARGOS
Quanto aos demais argumentos expendidos pelo embargante relativos à suposta inépcia da petição inicial, ausência de individualização das condutas e inadequação dos pedidos formulados, estas questões já foram devidamente enfrentadas na decisão saneadora embargada, que rejeitou expressamente a preliminar de inépcia da petição inicial ao reconhecer que ela cumpre “os requisitos estabelecidos no art. 17, §6º da Lei nº 8.429/92, que exige a individualização das condutas dos réus”.
Tais argumentos configuram mero inconformismo com o teor da decisão saneadora e tentativa de rediscussão do mérito já decidido, o que não se admite pela via dos embargos declaratórios. A petição inicial encontra-se em perfeita consonância com os requisitos legais, tendo sido devidamente rejeitadas as preliminares suscitadas.
Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE os embargos de declaração para, sanando a omissão
apontada, DECLARAR que ao embargante AMAURI MONGE FERNANDES está sendo imputada a prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92, conforme fundamentação supra.No mais, mantenho integralmente a decisão saneadora, prosseguindo-se o feito conforme determinado. “
O outro lado – íntegra
Nota de Esclarecimento
A respeito do processo que cita o secretário municipal de Educação de Cuiabá, Amauri Monge, esclarece-se que nada mudou na tramitação do caso. O andamento segue normalmente, tanto para a defesa quanto para o Ministério Público do Paraná.
Em decisão proferida nesta terça-feira (10 de junho), o magistrado acolheu parcialmente os embargos de declaração apresentados pelo próprio Amauri, reconhecendo a ausência de provas e indicação clara sobre qual conduta irregular teria sido praticada. O juiz determinou que o Ministério Público esclarecesse as supostas irregularidades cometidas pelo citado.
Por fim, é importante reforçar que Amauri Monge não possui nenhuma condenação e que o processo segue seu curso regular.
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Fonte: Câmara de Cuiabá – MT
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