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Conflito de interesses

A rota milionária da cultura: os elos de uma associação com capital zero e um deputado generoso

A Associação Mato-grossense de Cultura (AMC) recebeu R$ 17,15 milhões em emendas do deputado Elizeu Nascimento (PL) desde 2021. Um assessor do parlamentar na ALMT também atua na comunicação da AMC, o que levanta suspeitas de conflito de interesses e direcionamento de verba pública. A entidade possui capital social de R$ 0,00 e baixa transparência em suas contas.

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Repasses de R$ 17 milhões do deputado Elizeu Nascimento para a AMC levantam questionamentos sobre conflito de interesses devido à presença de um assessor do parlamentar no quadro da associação.
Repasses de R$ 17 milhões do deputado Elizeu Nascimento para a AMC levantam questionamentos sobre conflito de interesses devido à presença de um assessor do parlamentar no quadro da associação. (Elizeu Nascimento, foto: Rogério Florentino).

Com registro para atuar em cultura, meio ambiente e esportes, entidade recebeu R$ 17 milhões de um único parlamentar; presidente nega elo pessoal, mas diz que deputado “abriu as portas”

Assista ao vídeo do presidente da AMC apresentando Tenório como assessor de imprensa.

Fundada em 2013, a Associação Mato-grossense de Cultura (AMC) tem um registro de atividades amplo: vai da promoção de arte e cultura à gestão de zoológicos e parques ecológicos, passando até por atividades esportivas. Contudo, foi sob a bandeira da “cultura” que a entidade viu seu caixa ser irrigado por uma verdadeira cachoeira de dinheiro público: R$ 57,7 milhões em emendas parlamentares estaduais entre 2021 e 2024.

Formalmente uma associação privada com capital social declarado de R$ 0,00, a organização, que depende de recursos externos para existir, encontrou no deputado Elizeu Nascimento (PL) seu maior mecenas. Sozinho, o parlamentar destinou R$ 17,15 milhões à AMC até maio deste ano, uma escalada financeira que agora acende o alerta nos órgãos de controle.

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A trajetória dos repasses é, no mínimo, vertiginosa. Em 2021, o apoio de Nascimento à entidade começou tímido, com apenas R$ 50 mil. No ano seguinte, porém, a torneira se abriu de vez: o valor saltou para quase R$ 3,2 milhões. O montante continuou em alta, chegando a R$ 4,23 milhões em 2023 e, já em 2025, quebrou todos os recordes com R$ 6,2 milhões pagos em apenas cinco meses.

A generosidade de Elizeu Nascimento à AMC Valores pagos por ano via emendas parlamentares

O gráfico abaixo ilustra a evolução dos repasses de emendas parlamentares feitos pelo deputado Elizeu Nascimento para a Associação Mato-grossense de Cultura (AMC) entre 2021 e 2025.

Fica evidente o salto exponencial dos valores: o montante sai de R$ 50 mil em 2021 para um patamar consistentemente milionário a partir de 2022. O pico ocorre em 2025, quando os repasses (pagos até maio) já somam R$ 6,2 milhões, superando o total de qualquer ano anterior e evidenciando a escalada financeira que está no centro da apuração.

Fonte: Portal da transparência.

O elo na Assembleia

Mas o que explica essa preferência milionária? O presidente da associação, Marcos Levi de Barros, negou qualquer ligação pessoal, mas afirmou que o parlamentar “abriu as portas para a AMC”.

Para além das “portas abertas”, a engrenagem que de fato conecta o poder público à associação ganha um rosto e um cargo que levantam questionamentos: Eliel Tenório Pereira. Ele acumula duas funções que, juntas, formam um nó difícil de desatar. Pereira é o responsável pela comunicação da AMC — a mesma que recebe os milhões — e, ao mesmo tempo, ocupa um cargo comissionado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). Sua lotação: o Bloco Direita Democrática, liderado por ninguém menos que o deputado Elizeu Nascimento. 

As imagens acima detalham o vínculo empregatício de Eliel Tenorio Pereira com a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), obtido via Portal da Transparência.

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A ficha cadastral confirma sua nomeação como Assessor Parlamentar comissionado, com carga horária de 40 horas semanais, lotado no “Bloco Direita Democrática” — liderado pelo deputado Elizeu Nascimento. Os dados financeiros, por sua vez, mostram os vencimentos referentes aos primeiros cinco meses de 2025, com salário líquido de R$ 5.270,47.

A documentação comprova que, enquanto atua na comunicação da AMC, Pereira mantém um emprego público de tempo integral, remunerado, no gabinete do principal benfeitor financeiro da associação, o que configura o potencial conflito de interesses.

A sobreposição de papéis lança uma sombra sobre a impessoalidade do processo. Afinal, como garantir que o interesse público está sendo priorizado quando o assessor de um deputado trabalha para o principal destino de suas emendas?

Contas na sombra

Para onde vai tanto dinheiro? Essa é uma pergunta difícil de responder com base nas informações públicas da própria associação. Apesar do volume crescente de verbas, o site da AMC não apresenta relatórios financeiros detalhados nem as prestações de contas mais recentes dos projetos executados, o que dificulta o controle social sobre a aplicação de uma fortuna em dinheiro público.

O caso da AMC e do deputado Elizeu Nascimento não é um ponto isolado, mas um sintoma de como as emendas parlamentares, ferramentas legítimas de fomento, podem operar numa zona cinzenta. A linha que separa o interesse público das conexões privadas torna-se perigosamente tênue, especialmente quando uma entidade sem capital próprio se torna a gestora de uma fortuna em dinheiro público por indicação de um político a quem está diretamente ligada.

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Implicações legais: o que está em jogo

A aparente triangulação de recursos públicos, interesses políticos e cargos sobrepostos coloca o caso em uma zona de risco jurídico. Embora nenhuma irregularidade tenha sido julgada ou confirmada, a estrutura da operação, por si só, atrai a atenção para possíveis violações de leis que regem a administração pública. Juristas apontam que a investigação pode se concentrar em duas frentes principais.

A primeira, e mais grave, é a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). A sobreposição de papéis de Eliel Tenório — ao mesmo tempo comunicador da associação beneficiada e assessor do deputado que a beneficia — pode ser vista como uma afronta direta aos princípios da impessoalidade e da moralidade. A impessoalidade exige que o agente público não favoreça interesses particulares; já a moralidade demanda uma conduta ética e alinhada ao interesse coletivo. O direcionamento massivo de verbas para uma entidade com um elo tão direto com o gabinete do parlamentar pode, em tese, caracterizar um desvio de finalidade.

A segunda frente é o Código de Ética da própria Assembleia Legislativa de Mato Grosso (Lei 8.278/2004). A norma estabelece o dever de lealdade do servidor público, mesmo o comissionado, ao interesse público. A questão que se impõe é: um assessor pago com dinheiro público pode, sem conflito ético, atuar simultaneamente para uma entidade privada que é a principal receptora de emendas de seu chefe político?

Caso as investigações avancem e comprovem o direcionamento indevido ou o benefício indireto, as sanções são pesadas. Elas podem incluir o ressarcimento integral dos valores aos cofres do estado, a perda da função pública para os agentes envolvidos, a suspensão dos direitos políticos e a aplicação de multas. Por enquanto, trata-se de um campo de hipóteses, mas um que coloca uma lupa sobre a fronteira, muitas vezes frágil, entre a ação política legítima e o benefício privado.

Assista ao vídeo:

Vídeo cedido por Adriana Mendes/EhFonte.

O outro lado

A reportagem entrou em contato com Tenório e a assessoria de imprensa do deputado Elizeu Nascimento. Qualquer nota enviada será incluída aqui.

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Nota Eliel Tenório

O Sr. Eliel entrou em contato conosco por telefone, ele explicou que trabalha para o Deputado Elizeu Nascimento, e não é assessor de comunicação da empresa Associação Mato-grossense de Cultura – AMC.

” Eu só trabalho com o Elizeu, não sou assessor da AMC, fui lá [na entrevista onde o vídeo foi gravado] para fazer um favor ao Levi [presidente da AMC] pois o conheço há muitos anos.”

Sobre seu horário na ALMT Eliel explicou que:

” Meus horários na ALMT são flexíveis, pois eu tenho que estar na rua, em bairros, atendendo demandas, por causa disso, eu não tenho horário de almoço, e , muitas vezes sequer almoço”.

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Nota Marcos Levi de Barros

O Sr. Marcos Levi de Barros entrou em contato com a redação e disse que Eliel Tenório não é funcionário da AMC e que ele chama Tenório para freelancer.

 

O Deputado Elizeu Nascimento ainda não se manifestou.

 

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ALMT

Mato grosso avança na publicidade de nomes de pedófilos e agressores de mulheres; mas medida exige cautela

Mato Grosso aprova divulgação de nomes de condenados por pedofilia e violência contra mulher, alinhando-se a diretrizes do STF e lei federal sobre o tema.

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Cadastro público de pedófilos e agressores de mulheres em Mato Grosso
Debate legislativo sobre a publicidade de cadastros de condenados por crimes graves e suas implicações legais e sociais.

Projeto que torna públicos cadastros de condenados no estado foi aprovado em segunda votação pelos deputados nesta quarta-feira (21) e agora aguarda decisão do governador. O tema, contudo, já possui balizas importantes definidas em âmbito nacional.

Em uma decisão que promete gerar debates, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso deu um passo significativo nesta quarta-feira, 21 de maio de 2025, ao aprovar, em segunda e definitiva votação, o projeto de lei que abre ao público os cadastros estaduais de indivíduos condenados por crimes de pedofilia e violência contra a mulher. A matéria, originada no Poder Executivo, segue agora para a mesa do governador Mauro Mendes (União), a quem caberá a sanção ou o veto.

Essa medida visa alterar duas legislações estaduais já existentes: a Lei n° 10.315, de 2015, que criou o Cadastro Estadual de Pedófilos, e a Lei n° 10.915, de 2019, referente à divulgação dos nomes de condenados por agressões contra mulheres. A pergunta que paira é: até que ponto essa exposição pública se alinha com as garantias constitucionais e as normativas federais já em vigor?

O que dizem as leis maiores: um cenário nacional complexo

É fundamental entender que a iniciativa mato-grossense não ocorre em um vácuo legislativo. Pelo contrário, ela se insere em um contexto onde o Supremo Tribunal Federal (STF) e uma legislação federal recente já traçaram contornos importantes sobre o assunto.

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O sinal verde do STF, com ressalvas

Em abril de 2024, uma decisão crucial do STF considerou constitucional a criação de cadastros públicos estaduais contendo nomes de pessoas condenadas por pedofilia e violência contra a mulher, como é o caso da proposta em Mato Grosso. Todavia, a Corte Suprema não deu um cheque em branco. Pelo contrário, estabeleceu critérios rigorosos para assegurar a proteção de direitos fundamentais.

Assim, apenas os nomes e, quando aplicável, fotos de condenados cuja sentença já transitou em julgado – ou seja, contra a qual não cabem mais recursos – podem ser publicamente divulgados. Além disso, qualquer dado que possa, de alguma forma, levar à identificação da vítima, como grau de parentesco ou detalhes específicos do crime, deve ser mantido em sigilo, acessível apenas a autoridades policiais ou mediante expressa autorização judicial. Outro ponto crucial é que a publicidade dos dados do condenado deve cessar com o término do cumprimento da pena, não se estendendo a uma eventual reabilitação judicial. Para resguardar a presunção de inocência, informações sobre suspeitos ou meramente indiciados não podem constar nessas listas.

A lei federal e seus limites

Complementando o cenário, em novembro de 2024, foi sancionada a Lei 15.035/2024, que instituiu o Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. Essa legislação garante o acesso público ao nome completo e CPF de indivíduos condenados já em primeira instância por crimes de natureza sexual. Contudo, um trecho que previa a manutenção desses dados por dez anos após o cumprimento da pena foi vetado pela Presidência da República. A justificativa para o veto foi a de que tal extensão poderia ferir princípios constitucionais básicos, como o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do condenado. Dessa forma, os dados só podem permanecer públicos enquanto durar o cumprimento da sentença.

Para entender melhor

Muitas vezes, termos jurídicos podem soar complicados. Quando se fala em “trânsito em julgado”, por exemplo, estamos nos referindo ao momento em que uma decisão judicial se torna definitiva, não cabendo mais nenhum tipo de recurso para modificá-la. É a palavra final da Justiça sobre aquele caso específico. Entender isso é crucial para compreender o alcance e os limites da divulgação de nomes de condenados.

Box Informativo: Publicidade de Condenados – O que Pode e o que Não Pode?

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  • Quem pode ter o nome divulgado? Apenas condenados com sentença transitada em julgado (sem mais possibilidade de recurso).
  • Quais dados? Nome e foto.
  • Até quando? A divulgação pública só pode ocorrer até o término do cumprimento da pena.
  • E as vítimas? Dados que possam identificá-las não podem ser expostos publicamente. Seu acesso é restrito a autoridades ou com autorização judicial.
  • Suspeitos ou indiciados entram na lista? Não. A presunção de inocência deve ser resguardada.
  • Após cumprir a pena? Os dados não podem ser mantidos públicos indefinidamente ou até uma eventual reabilitação.

O fio da navalha: entre a proteção social e os direitos individuais

A fundamentação do STF para permitir esses cadastros públicos reside na ideia de que a medida é compatível com a Constituição Federal, desde que haja um respeito à proporcionalidade, ao devido processo legal e, sobretudo, à dignidade da pessoa humana, com especial atenção às vítimas. O acesso público a essas informações é justificado pelo interesse coletivo na prevenção de novos crimes e na proteção de mulheres e crianças.

Entretanto, essa transparência não pode se converter em uma forma de punição perpétua ou em uma violação dos direitos fundamentais dos condenados, especialmente após o cumprimento de suas penas. Afinal, a própria Constituição prevê a ressocialização como um dos objetivos da execução penal.

Portanto, para que uma lei como a aprovada em Mato Grosso seja considerada constitucional e eficaz, ela precisa, invariavelmente, caminhar sobre essa linha tênue, restringindo-se a condenados com sentença definitiva, limitando a divulgação ao período de cumprimento da pena, protegendo integralmente a identidade das vítimas e respeitando os princípios da intimidade, honra, imagem e a possibilidade de ressocialização do apenado. Resta agora acompanhar os próximos passos da legislação mato-grossense e sua efetiva implementação, esperando que ela consiga equilibrar a justa ânsia por segurança com o respeito intransigente aos direitos de todos os cidadãos.

 

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