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Desenvolvimento desigual

A outra face do 'Nortão': o agro avança e as favelas crescem no interior de MT

O Censo 2022 do IBGE revela a expansão de favelas em polos do agronegócio no interior de Mato Grosso. Cidades como Rondonópolis, Sinop e Cáceres somam milhares de pessoas em moradias precárias, expondo o lado desigual do desenvolvimento econômico do estado.

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A expansão do agronegócio em cidades do interior de Mato Grosso, como Rondonópolis e Sinop, atrai mão de obra, mas o crescimento urbano desordenado gera bolsões de pobreza.
A expansão do agronegócio em cidades do interior de Mato Grosso, como Rondonópolis e Sinop, atrai mão de obra, mas o crescimento urbano desordenado gera bolsões de pobreza.(foto: Rog´rio Florentino/Yahoo)

Censo 2022 mostra que Rondonópolis, Sinop e Cáceres somam milhares em moradias precárias, expondo a urbanização desigual que avança longe da capital.

A imagem é conhecida: silos gigantescos que arranham o céu, caminhões novos em fila para escoar a safra e, no horizonte, o verde-infinito da soja. Esta é a face próspera do interior de Mato Grosso, o motor do agronegócio nacional. No entanto, a poucos quilômetros dali, em ruas de terra e com o esgoto correndo a céu aberto, uma outra realidade se impõe, até agora silenciosa nos números oficiais. O Censo 2022 do IBGE começou a dar voz a ela.

Embora o debate sobre moradia precária costume se concentrar na região metropolitana de Cuiabá, os novos dados revelam um fenômeno alarmante: a “favelização” avança nos principais polos do agronegócio. Cidades que são símbolos de riqueza e produtividade, como Rondonópolis, Sinop e Cáceres, abrigam milhares de pessoas em condições de vida que contrastam brutalmente com a pujança econômica que elas mesmas ajudam a gerar.

O mapa da exclusão

Os números acendem um alerta vermelho no mapa do desenvolvimento mato-grossense. Rondonópolis, o gigante industrial e logístico do sudeste do estado, possui 8.274 pessoas vivendo em favelas e comunidades urbanas. Mais ao norte, Sinop, a autointitulada “Capital do Nortão”, um dos maiores polos de expansão da fronteira agrícola, registra 2.073 moradores nessas condições. Na fronteira oeste, a histórica Cáceres soma outros 2.525 cidadãos em áreas precárias.

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Juntos, esses três municípios, que estão entre as maiores economias do estado, concentram quase 13 mil pessoas vivendo em bolsões de pobreza. São trabalhadores e suas famílias que, atraídos pela promessa de emprego e oportunidade, acabaram instalados nas franjas urbanas, onde a infraestrutura e os serviços públicos não chegaram com a mesma velocidade que os investimentos do campo.

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O motor do paradoxo

O que explica essa contradição? Especialistas em desenvolvimento urbano apontam para um padrão de crescimento acelerado e pouco planejado. A expansão do agronegócio funciona como um poderoso ímã populacional, atraindo mão de obra para a construção civil, o comércio e os serviços que dão suporte à atividade principal. No entanto, o poder público local, muitas vezes, não consegue responder com políticas habitacionais e de planejamento urbano na mesma proporção.

O resultado é a criação de “cinturões de precariedade” no entorno dos núcleos urbanos consolidados. Enquanto novos condomínios fechados e bairros de classe média surgem para atender a uma fatia da população, outra, bem maior, é deixada à própria sorte na busca por um lugar para morar. É a riqueza que atrai, mas que não consegue incluir a todos.

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Uma conta que não fecha

A situação expõe uma conta que parece não fechar. Como municípios que geram um Produto Interno Bruto (PIB) na casa dos bilhões de reais e que arrecadam cifras vultosas em impostos convivem com uma parcela tão significativa de sua gente sem acesso a condições mínimas de saneamento e moradia? Para onde vai a riqueza que brota da terra, mas não se transforma em qualidade de vida para todos os que vivem na cidade?

O Censo 2022, portanto, oferece mais do que números; ele apresenta uma cobrança. A prosperidade do interior de Mato Grosso é inegável, mas os dados mostram que ela tem um custo social que tem sido negligenciado. Ignorar essa outra face do progresso é permitir que a desigualdade crie raízes profundas, bem ao lado dos campos que alimentam o mundo.

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AGRONEGÓCIO

Bom Futuro tem fazenda embargada por desmate ilegal do equivale a 610 campos de futebol na Amazônia Legal

A Justiça de Mato Grosso acatou um pedido do Ministério Público e determinou o embargo judicial de uma área de reserva legal na Fazenda Cachoeira, do grupo Bom Futuro, por desmatamento ilegal. A decisão impõe a recuperação da área sob pena de multa diária.

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A Justiça de Mato Grosso embargou uma fazenda do grupo Bom Futuro como resultado de uma ação por desmatamento ilegal de reserva legal.
A Justiça de Mato Grosso embargou uma fazenda do grupo Bom Futuro como resultado de uma ação por desmatamento ilegal de reserva legal. Foto site institucional.

Medida atinge área não recuperada na Fazenda Cachoeira, em São José do Rio Claro; o total desmatado no imóvel, incluindo outras áreas, equivale a 610 mil campos de futebol, e multa diária por descumprimento é de R$ 10 mil

Uma decisão da Justiça de Mato Grosso determinou o embargo judicial de parte da Fazenda Cachoeira, de propriedade do grupo Bom Futuro, por conta de um desmatamento ilegal em sua Área de Reserva Legal (ARL) que se arrasta sem a devida recuperação há mais de uma década. A área total desmatada ilegalmente no imóvel ao longo dos anos, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APP) que já foram recuperadas, alcança 435,9 hectares — uma extensão comparável a 610 campos de futebol.

A medida liminar, proferida pela juíza Raisa Tavares Pessoa Nicolau Ribeiro, da Primeira Vara de São José do Rio Claro, impede a exploração econômica da ARL degradada e representa o capítulo mais recente de uma longa disputa judicial. A ação foi movida pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) contra a Bom Futuro Matupá Agropecuária LTDA e seus sócios, Eraí Maggi Scheffer, Elusmar Maggi Scheffer, Fernando Maggi Scheffer e José Maria Bortoli.

Apesar da contundência, a decisão atendeu apenas parcialmente aos pedidos do MPMT, que buscava sanções ainda mais severas.

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O histórico do descumprimento

A disputa teve início após desmatamentos ocorridos entre 2002 e 2005. Em 2008, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado para a recuperação da APP degradada , e um Termo de Compromisso foi assinado visando compensar a Reserva Legal desmatada. Enquanto a obrigação referente à APP foi cumprida, com a recuperação in natura da vegetação, o mesmo não aconteceu com a ARL.

O acordo que previa a compensação da reserva legal nunca saiu do papel. Uma vistoria realizada em 2016, quase uma década depois do compromisso, pintou um cenário desolador: apenas 13,37% da área de reserva legal ainda possuía vegetação nativa remanescente. O dano, portanto, persistia, transformando o acordo em letra morta.

A investigação do Ministério Público, detalhada na Ação Civil Pública, é um verdadeiro raio-x da degradação. Laudos técnicos apontaram que a classificação da vegetação da fazenda, como contato entre Savana e Floresta Estacional, exigiria uma reserva legal de 80% do imóvel. Contudo, uma retificação de licença emitida em 2008 indicava um percentual de apenas 13,24%, uma manobra que, segundo o MP, teria maquiado o tamanho real do passivo ambiental.

O que a Justiça determinou

A juíza Raisa Tavares acolheu parcialmente os pedidos de urgência do Ministério Público, impondo três obrigações centrais aos proprietários da fazenda, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00. As medidas deferidas foram:

  • Suspensão de atividades lesivas: Foi determinado que a empresa suspenda, no prazo de 30 dias, todas as atividades danosas ao meio ambiente que estejam sendo realizadas sem a devida autorização legal ou em desacordo com as normas vigentes.
  • Apresentação de plano de recuperação: A Bom Futuro terá 90 dias para apresentar e iniciar a execução de um Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA), que deverá ser aprovado pelo órgão ambiental estadual.
  • Embargo judicial da área: A Justiça decretou o embargo judicial de toda a área degradada, uma medida que impede o seu uso para fins econômicos até que a situação ambiental seja regularizada.

Por outro lado, os pedidos mais sensíveis ao bolso dos réus foram negados. A magistrada indeferiu a indisponibilidade de bens e o bloqueio de acesso a financiamentos públicos. A justificativa foi a ausência de provas de que os proprietários estariam tentando se desfazer de seu patrimônio para evitar futuras punições, caracterizando o que a justiça chama de “periculum in mora inverso” — quando a medida cautelar causa mais dano do que a própria demora do processo.

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Pedidos do Ministério Público à justiça

O Ministério Público de Mato Grosso, na ação contra a Bom Futuro Matupá Agropecuária e seus sócios, apresentou uma série de pedidos à Justiça, tanto em caráter de urgência (liminar) quanto definitivos, buscando a reparação completa dos danos ambientais na Fazenda Cachoeira. Os requerimentos foram:

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Pedidos Liminares (Antecipação de Tutela):

  1. Proibição de Atividades: Impedir que os réus explorem economicamente a Área de Reserva Legal (ARL) embargada , promovam novos desmatamentos não autorizados ou mantenham quaisquer atividades poluidoras sem a devida licença.
  2. Recuperação da Área: Obrigar os réus a promoverem a correção, complementação e recuperação da ARL, seguindo as indicações da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA).
  3. Suspensão de Incentivos Fiscais: Determinar a suspensão imediata de todos os benefícios e incentivos fiscais concedidos pelo Poder Público aos réus.
  4. Suspensão de Financiamentos: Expedir ofício ao Banco Central para suspender a participação dos réus em linhas de financiamento de estabelecimentos oficiais de crédito.
  5. Averbação na Matrícula do Imóvel: Determinar a anotação da existência desta Ação Civil Pública na matrícula do imóvel (n.º 2741), para dar conhecimento a terceiros.
  6. Multa por Descumprimento: Aplicar uma multa de 50 UPF/MT por evento e por mês de descumprimento das medidas liminares.
  7. Fiscalização pela SEMA: Enviar ofício à SEMA para que tome conhecimento da decisão e fiscalize o cumprimento do embargo judicial e sua anotação no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Pedidos Finais (Sentença Definitiva):

  1. Indenização por Danos Materiais: Condenar os réus ao pagamento de R$ 2.898.235,17 pelos danos materiais ambientais residuais, com valor corrigido e com juros. O montante deve ser revertido a um fundo ambiental.
  2. Indenização por Danos Morais Coletivos: Condenar os réus ao pagamento de R$ 1.840.217,13 a título de danos extrapatrimoniais, também com valor corrigido e juros, a ser destinado a um fundo ambiental.
  3. Obrigação de Fazer: Confirmar a obrigação de recuperar integralmente a Área de Reserva Legal degradada, através de um procedimento a ser instaurado perante a SEMA ou outro órgão ambiental competente.
  4. Confirmação das Suspensões: Tornar definitiva a suspensão de incentivos fiscais e de participação em linhas de financiamento oficiais de crédito até o pagamento integral das indenizações.
  5. Averbação da Sentença: Determinar a averbação da sentença final condenatória na matrícula do imóvel.
  6. Multa por Desobediência: Aplicar multa diária de 50 UPF/MT em caso de descumprimento das obrigações finais, sem prejuízo de responsabilização por crime de desobediência.
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O outro lado

A redação entrou em contato com a assessoria de imprensa mas até o fechamento da matéria a empresa não tinha enviado nenhuma nota. Qualquer nota enviada será incluída aqui.

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Para entender melhor: a inversão do ônus da prova
Um ponto central da decisão foi a inversão do ônus da prova. Em casos ambientais, aplica-se o princípio da precaução. Isso significa que não é a sociedade ou o Ministério Público que precisa provar que uma atividade é arriscada. Ao contrário, cabe a quem propõe a atividade potencialmente danosa — neste caso, a Bom Futuro — provar que ela é segura e não causará danos. É uma ferramenta jurídica poderosa para proteger o meio ambiente, colocando a responsabilidade diretamente sobre o potencial poluidor.

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Um futuro incerto e a conta que não fecha

O Ministério Público calculou o dano material difuso em R$ 2.898.235,17 e o dano extrapatrimonial em R$ 1.840.217,13, totalizando mais de R$ 4,7 milhões em indenizações pleiteadas. A metodologia para o cálculo do dano moral coletivo considerou até mesmo a precificação das emissões de carbono, refletindo o impacto do desmatamento nas mudanças climáticas.

Com o embargo em vigor, a Fazenda Cachoeira se torna uma espécie de campo minado jurídico para seus proprietários. Qualquer atividade sem autorização na área embargada pode resultar em multas diárias de R$ 10.000,00. Resta saber se a pressão será suficiente para que, após mais de uma década e meia de espera, a floresta finalmente comece a se reerguer no lugar do que foi ilegalmente derrubado. A coletividade, que segundo a Constituição tem direito a um meio ambiente equilibrado, continua aguardando.

O valor total da área desmatada ilegalmente no imóvel (435,9671 ha) foi convertido para uma medida de comparação popular (campos de futebol) para fins de clareza jornalística, sem alterar a informação factual dos documentos. O embargo judicial incide sobre a porção de Reserva Legal não recuperada.

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